O processo de recrutamento de jovens talentos no cenário competitivo de Counter-Strike pode ser tão intenso quanto as partidas profissionais. A Imperial, organização brasileira que expandiu suas operações para a Europa, recentemente revelou os detalhes por trás da formação de seu time Academy - um projeto que consumiu quatro meses de trabalho meticuloso e a análise de mais de 500 demos.

O meticuloso processo de seleção

Reinis "hyskeee" Grīnbergs, responsável pela formação do time de base, começou o scouting em abril enquanto ainda atuava como analista do time principal. Ele revelou que utilizou a plataforma FACEIT para identificar potenciais talentos, aplicando critérios próprios e confiando fortemente naquilo que via durante as partidas.

"Se um jogador me impressionava, seguia para uma entrevista para avaliar se ele tem a mentalidade certa para se tornar um dos melhores", explicou hyskeee em entrevista exclusiva à Dust2 Brasil.

A rotina durante esse período foi particularmente desgastante. O treinador letão acordava às 10h no horário local para procurar jogadores e assistir demos, e entre 17h e 3h participava dos treinos com o time principal. "Definitivamente foi desafiador, porém eu sou 'workaholic', então gostei disso", admitiu.

Critérios além da habilidade técnica

Embora hyskeee tenha optado por não revelar todos os detalhes de seus critérios de seleção, ele destacou que a mentalidade dos jogadores foi tão importante quanto sua performance individual. "Olhei como os jogadores abordavam o jogo: suas rotinas, objetivos, ambições e como eles se viam encaixando em um time", contou.

Para o treinador, era crucial que os mindsets dos jovens talentos se alinhassem com suas crenças sobre o que é necessário para alcançar o sucesso no cenário competitivo. Essa abordagem holística ajudou a identificar jogadores que não apenas tinham skill, mas também a disciplina mental para evoluir profissionalmente.

O processo resultou na contratação da dupla ucraniana Artem "oNESTLY" Kobziev e Maksym "ta9z" Hrytsai, junto dos dois dinamarqueses Frederik "Kragh" Kragh e Tristan "sh1Fu" Jensen. A escalação foi completada com o russo Nikita "Aliot" Kovalev.

Desafios no mercado competitivo

hyskeee enfrentou obstáculos significativos durante o processo de recrutamento. Muitos jogadores entre 15 e 17 anos já estavam sob contrato, mesmo aqueles que apenas jogavam FACEIT Premium. Essa realidade complicou consideravelmente a busca por talentos disponíveis.

Para piorar a situação, a Spirit - organização russa - estava formando três escalações para seu próprio Academy, intensificando a competição pelos melhores jogadores. "Foi muito difícil e consumiu bastante tempo", reconheceu hyskeee.

O treinador também admitiu ser extremamente exigente na seleção de jogadores, o que prolongou ainda mais o processo. "Isso provavelmente tornou o processo ainda mais longo, mas valeu a pena para que tivesse certeza que a lineup estivesse certa", justificou.

A arte de analisar demos

As mais de 500 demos analisadas não foram assistidas integralmente. hyskeee desenvolveu um método eficiente: "Normalmente, em cinco minutos consigo dizer se vale a pena ou não continuar assistindo um jogador. Se ele passa o teste de olho, então assisto um pouco mais das demos para ver a consistência de tomadas de decisões e estilo de jogo".

Em alguns dias, ele chegava a assistir mais de 40 demos, enquanto em outros não tinha tempo - ou simplesmente não havia mais jogadores disponíveis para analisar. Essa abordagem sistemática permitiu identificar padrões consistentes de jogo e tomada de decisão entre os candidatos.

A comissão técnica do Academy será formada por hyskeee como treinador principal e Kamen "bubble" Kostadinov como assistente. Atualmente, hyskeee também está auxiliando o time feminino da Imperial, com o objetivo de prepará-las para o mundial em Estocolmo.

Enquanto supervisiona o Academy à distância - ajudando com teoria e monitorando o progresso do time - bubble trabalha diariamente com a divisão de base. "É muito fácil trabalhar com o bubble, então dividir a carga de trabalho não é um problema", finalizou hyskeee.

O papel crucial da mentalidade competitiva

O que realmente diferencia um jogador promissor de um verdadeiro profissional? hyskeee tem suas teorias bem definidas sobre isso. "Muitos jovens têm skill técnica impressionante, mas poucos entendem o que significa realmente competir no mais alto nível", reflete o treinador. "Era essencial encontrar jogadores que não apenas quisessem jogar, mas que estivessem dispostos a viver e respirar Counter-Strike."

Durante as entrevistas, hyskeee fazia perguntas específicas sobre rotinas de treino, hábitos de estudo do jogo e até mesmo sobre como os jogadores lidavam com derrotas. "A forma como alguém reage a uma partida perdida diz muito sobre seu potencial de crescimento", explica. "Procurava jogadores que analisassem seus erros de forma construtiva, em vez de culpar teammates ou fatores externos."

E essa abordagem mostrou resultados interessantes. Um dos jogadores selecionados, por exemplo, mantinha um diário detalhado de todas as suas partidas, anotando estratégias que funcionavam e erros recorrentes. Outro criava sistematicamente demos personalizadas para estudar opponents específicos antes de torneios importantes.

Adaptação cultural e linguística

Montar um time com jogadores de quatro nacionalidades diferentes trouxe desafios únicos. Como fazer com que ucranianos, dinamarqueses e um russo não apenas se comuniquem eficientemente em jogo, mas também desenvolvam química outside do servidor?

"A língua franca é o inglês, mas sabemos que nem sempre é perfeito", admite hyskeee. "Implementamos sessões de comunicação específicas onde trabalhamos callouts padronizados e desenvolvemos um sistema de comunicação que minimize mal-entendidos durante as partidas."

Além disso, a organização investiu em atividades de team building virtuais para ajudar os jogadores a se conhecerem melhor pessoalmente. "Química não se constrói apenas durante treinos. Eles precisam se entender como pessoas para funcionarem como uma unidade coesa nos momentos de pressão", acrescenta o treinador.

E os desafios culturais vão além da comunicação. Diferenças em estilos de jogo regionais, expectativas sobre rotinas de treino e até mesmo horários preferidos para jogar precisaram ser negociados e harmonizados.

Infraestrutura e suporte para jovens talentos

A Imperial não está apenas contratando jogadores; está construindo um ecossistema completo de desenvolvimento. Além do treinador principal e do assistant coach, o Academy conta com suporte psicológico, nutricional e até orientação sobre gestão de carreira.

"Muitos desses jogadores estão lidando pela primeira vez com contratos, expectativas de performance e a pressão de representar uma organização grande", explica hyskeee. "Nosso papel vai muito além de ensinar estratégias de jogo - estamos preparando eles para a vida profissional."

Isso inclui workshops sobre finanças pessoais, orientação sobre como lidar com fãs e a imprensa, e até mesmo aconselhamento sobre equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Afinal, muitos desses jovens ainda estão concluindo estudos ou lidando com outras responsabilidades.

A infraestrutura técnica também recebeu atenção especial. Todos os jogadores receberam equipamentos padronizados da organização, garantindo que fatores como ping, FPS ou qualidade de peripherals não se tornem variáveis que impactem o desempenho.

Metas e expectativas realistas

hyskeee é pragmático sobre o que esperar do time em seus primeiros meses. "Não estamos aqui para ganhar todos os torneios imediatamente. O foco é desenvolvimento consistente e aprendizado", afirma. "Se daqui a seis meses vermos que cada jogador evoluiu significativamente em aspectos específicos, consideraremos isso um sucesso."

As metas são estabelecidas individualmente para cada jogador, levando em conta suas fortalezas e fraquezas específicas. Um pode estar focando em melhorar sua comunicação em inglês durante partidas, enquanto outro trabalha para expandir seu mapa pool ou refine suas utility sets.

"O progresso não é linear, e estamos preparados para isso", comenta hyskeee. "Haverá semanas onde tudo clica e outras onde parece que regredimos. O importante é manter a consistência no trabalho e a confiança no processo."

A longo prazo, o objetivo claro é alimentar o time principal da Imperial com talentos desenvolvidos internamente. "Queremos criar um pipeline sustentável de talentos, não apenas comprar jogadores prontos de outras organizações", explica o treinador. "Há uma satisfação especial em ver um jogador que você descobriu e desenvolveu alcançar o topo."

Enquanto isso, o time já começou a participar de torneios regionais menores, usando essas experiências como laboratório para testar estratégias e identificar áreas que precisam de mais trabalho. Cada partida, win or lose, vira material de estudo para a evolução contínua do projeto.

Com informações do: Dust2